INTRODUÇÃO

A nova sistemática processual civil, partindo de uma linha reformista, optou por introduzir uma legislação pautada em instruções principiológicas e em uma aproximação com o texto constitucional.

As inovações atingiram diretamente os casos de conflitos internacionais de competência de jurisdição brasileira em relação à estrangeira.

A principal novidade em valoração à autonomia de vontade das partes foi a garantia de os envolvidos em uma relação estabelecida por contrato internacional – ressalvados os limites legais – escolherem o foro estrangeiro para dirimir conflitos que, em regra, seriam de competência da jurisdição brasileira.

O presente artigo tem por objetivo analisar a questão dos litígios havidos em relações pautadas em contratos internacionais, onde há conflito de jurisdição nacional e estrangeira, com foco nas inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015.

 

  1. DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL E O PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE

 

O fator mais importante para iniciar qualquer estudo pautado nos limites da jurisdição do Estado brasileiro em relação a Estado estrangeiro é o entendimento da efetividade da prestação da tutela jurisdicional.

Conforme estabelece Vera Maria Barreita Jatahy, “a sentença deve ser prolatada no local onde exclusivamente ela deverá produzir efeitos”.

Os limites da jurisdição, em verdade, colidem diretamente com a efetividade do Direito prestado. Em nada adianta um Estado conceder uma tutela por meio de uma decisão judicial, quando se tratar de uma relação internacional, e não haver nenhum efeito no Estado estrangeiro.

Nesse sentido leciona Daniel Amorim Assumpção Neves, em interpretação às teorias de Gusmão Carneiro e Botelho de Mesquita:

 

O princípio da efetividade determina que a justiça brasileira só deva se considerar competente para julgar demandas cuja decisão gere efeitos em território nacional ou em Estado estrangeiro que reconheça tal decisão, tornando assim sua atuação sempre útil e teoricamente eficaz”.[2]

 

 Em verdade, as limitações de competência, quando relacionadas às relações internacionais, nada mais são que limitações ao exercício da jurisdição do Estado brasileiro.

 

Nesse sentido, também, se entende a territorialidade. Em verdade, não há que se confundir territorialidade da jurisdição com o local onde a decisão judicial é prolatada, mas com a eficácia da prestação da tutela e onde ela deverá surtir seus efeitos.

A territorialidade, portanto, é a delimitação de espaço onde atua a jurisdição.

Nesse sentido, leciona Fredie Didier Jr:

 

A competência internacional visa, portanto, a delimitar o espaço em que deve atuar a jurisdição, na medida em que o Estado possa fazer cumprir soberanamente as suas sentenças”.[3]

 

É patente, portanto, que a efetividade da prestação da tutela jurisdicional é a primazia para decisão de qualquer conflito de competência internacional e deve reger os atos do Estado na configuração do ordenamento interno. Assim procedeu-se com a institucionalização das novas normas de processo civil brasileiro, conforme será demonstrado nas linhas vindouras.

 

  1. DA COMPETÊNCIA INTERNACIONAL

 

 

Antes de adentrarmos especificamente ao tema, imperiosa a colação de algumas regras que, fundamentadas principalmente na efetividade da jurisdição, regem as decisões relacionadas ao reconhecimento de eventual conflito de competência e apreciação de matéria de litígio envolvendo partes ou Estado estrangeiros.

São elas: (i) a regra do Kompetenz-Kompetenz; (ii) o forum shopping e (iii) o forum non conveniens.

Todas encontram guarida na efetividade da jurisdição, mas cada qual delimita um preceito próprio.

Pela regra do Kompetenz-Kompetenz, em suma, estabelece-se que a análise prévia dos limites de competência para julgar determinada matéria deve ser efetivada pelo próprio juízo que pretende prolatar a decisão.

Isto é, o juiz é competente para controlar e deliberar sobre a própria competência.

A aplicabilidade da regra do Kompetenz-Kompetenz é aceita pelo ordenamento interno brasileiro e encontra cada vez mais aplicabilidade na prestação das tutelas jurisdicionais, garantindo que o juízo delibere acerca de sua competência para resolução do litígio a ele apresentado, garantindo a eficácia de sua decisão.

Em segundo lugar, a regra do forum shopping garante às partes a possibilidade de escolherem previamente o foro de julgamento de eventual litígio.

Até a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, a regra do forum shopping não era institucionalizada pelo sistema processual brasileiro e consequentemente pouco aceita nas decisões de limitação de competência e jurisdição nacional no deslinde de demandas envolvendo relações internacionais.

Nesse sentido, inclusive, havia entendimento do STJ estabelecendo que “apesar de sua coerente formulação em países estrangeiros, os princípios (sic) do forum shopping e do forum non conveniens não encontram respaldo nas regras processuais brasileiras”.[4]

A institucionalização do forum shopping é uma das principais inovações trazidas pela nova sistemática processual no que concerne aos conflitos de competência internacional e será melhor tratada em tópico próprio.

Por fim, a regra do forum non conveniens, ou teoria da competência adequada, nada mais é que a valoração da boa-fé processual e adequação à efetividade da prestação da tutela jurisdicional com seu efetivo cumprimento. [5]

É, pois, a consagração da efetividade da jurisdição na prestação da tutela jurisdicional.

 

 

Em termos gerais, a regulamentação das regras de competência internacional encontra sustentáculo em princípios gerais do Direito que garantem a correta prestação da tutela jurisdicional por Estados, quando na demanda houver envolvimento de parte estrangeira.

Ensina Fredie Didier Jr. que são seis os princípios fundamentais de regulamentação da competência internacional.[6]

Em primeiro, o plenitudo jurisdictionis estabelece a plenitude e ausência de limitação do poder/dever de concessão e prestação jurisdicional nos limites do território do Estado.

Outro princípio é o da exclusividade, que determina a observância exclusiva das regras que integram o próprio ordenamento jurídico do Estado para prestação da tutela jurisdicional, salvo em casos de reconhecimento de sentença estrangeira, em circunstâncias especiais.

Por terceiro, o princípio da unilateralidade estabelece a exclusividade dos efeitos da norma que determina a ausência de competência do Estado para processar e julgar determinada demanda que não produz efeitos para delimitar qual seria a jurisdição correta para tanto. A regra é fundamentada com o objetivo de não ferir a soberania estrangeira.

Há, igualmente, a imunidade de jurisdição que determina a impossibilidade de exercício da jurisdição em razão da qualidade de uma das partes. Princípio do direito internacional (par in par non habetiudicium) que impossibilita que um Estado julgue o outro, ou um de seus chefes, sob pena de afeto à Soberania Estatal.

Sobre este princípio especificamente, é importante ressalvar que há uma relativização quando há participação ativa estatal em atividades comerciais internacionais, surgindo, assim, a distinção entre os atos de gestão e atos de império, garantindo-se a imunidade de jurisdição apenas no segundo caso.

O quinto princípio é o da proibição de denegação de justiça. Segundo Vera Maria Barreta Jatahy, “a atribuição de jurisdição ao Estado para decidir medidas cautelares destinadas a produzir efeitos em seu próprio território emerge do princípio que veda a denegação da justiça”. De acordo com referido princípio, portanto, em casos em que se averigua a incompetência de qualquer Estado para julgar determinada matéria, a prestação da tutela jurisdicional deve ser de todo modo concedida.

Por fim, há o princípio da autonomia da vontade, que garante a possibilidade de escolha da jurisdição em casos de concorrência, inclusive com foro de eleição (originária das regras de forum shopping e forum non conveniens).

 

  1. ANÁLISE ESPECÍFICA DAS NOVAS DISPOSIÇÕES LEGAIS INSTITUÍDAS PELA LEI 13.105/2015

 

 

De acordo com as disposições legais instituídas pelo Código de Processo Civil de 2015, as regras de competência internacional concorrente da jurisdição brasileira com a jurisdição estrangeira estão especificamente dispostas nos artigos 21 e 22, CPC.

São, pois, os casos de litígios pluriconectados, quando a sentença proferida no estrangeiro terá eficácia no território brasileiro, desde que efetivamente homologada.

De acordo com os dispositivos supramencionados, as hipóteses de competência concorrente/cumulativa são: 1. quando o réu estiver domiciliado no Brasil, não importando sua nacionalidade; 2. quando no Brasil tiver que ser cumprida a obrigação objeto do litígio; 3. quando a ação se originar de fato ou ato ocorrido no Brasil.

São essas as situações dispostas no artigo 21, CPC.

No mesmo sentido, ainda, dispõe o artigo 22, CPC, que também podem tramitar no Brasil: 1. a ação de alimentos, quando o credor tiver domicílio ou residência no Brasil ou quando o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos; 2. quando se tratar de demandas decorrentes de relação de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil; ou ainda 3. quando se tratar de ações em que as partes, expressa ou tacitamente, se submetam à jurisdição nacional.

 

 

O Código de Processo Civil estabelece em seu artigo 23 que à autoridade judiciária brasileira compete, exclusivamente e com exclusão de qualquer outra, julgar demandas:

 

 

Nesse sentido, quando se tratar de sentença estrangeira proferida em um dos casos elencados na exclusividade da jurisdição, não haverá eficácia da decisão no Estado brasileiro.

Conforme será melhor elucidado a seguir, a eleição de foro disposta no artigo 25, CPC, não é aplicável nos casos dispostos pelo artigo 23, CPC.

 

 

Com a ressalva dos tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil, não há reconhecimento de litispendência ou regras de conexão, entre o Estado Brasileiro e estado estrangeiro quando há competência concorrente. É, pois, o que dispõe o artigo 24, CPC.

Isso se dá principalmente pelo fato de que a verificação da litispendência deveria ser procedida no primeiro grau de jurisdição, carecendo da análise dos elementos da decisão estrangeira, que, em verdade, é de competência absoluta do STJ.

No caso de trânsito em julgado da homologação da sentença estrangeira, caso haja litispendência, o processo que tramita no território nacional deverá ser extinto, conforme a regra disposta no artigo 485, V, CPC[7].

Em outra hipótese, transitada em julgado a decisão prolatada no processo que tramitou no território nacional em litispendência com o estrangeiro, o STJ não poderá homologar a sentença estrangeira por agressão à coisa julgada e soberania nacional.[8]

Do mesmo modo, seguindo o raciocínio da norma jurídica em comento, a Corte Especial do STJ também já prolatou precedente que estabelece que a simples existência de um processo nacional idêntico ao estrangeiro em trâmite não representa óbice para a homologação.[9]

 

 

Conforme narrado desde o início das explanações, a principal inovação do Código de Processo Civil de 2015, relativa às questões de competência internacional, é a possibilidade de eleição de foro disposta em seu artigo 25.

É, pois, a institucionalização do princípio do forum shopping.

De acordo com o artigo supramencionado, é permissivo legal a escolha de foro exclusivo estrangeiro na elaboração de contratos internacionais. Trata-se de inovação da norma processual, em prestígio à autonomia da vontade das partes.

Entretanto, ressalvas foram igualmente dispostas.

No caso de abusividade, aplica-se a norma prevista no artigo 63, NCPC, que viabiliza a ineficácia da cláusula reconhecida inclusive por ofício pelo juízo.

Nesse sentido exemplifica Lênio Streck, senão vejamos:

 

Diz o dispositivo que o juiz deve fazer o controle de ofício da cláusula de eleição antes da citação, o que não constava expresso no Código revogado.”[10]

 

É importante ressaltar que o termo “abusividade”, assim disposto na norma processual, abre margem para discricionariedade da jurisdição.

Isso acontece porque a amplitude para abusividade de direito é muito vasta e dependerá necessariamente de uma análise casuística.

Por fim, é imperioso ressaltar que a possibilidade de escolha de foro estrangeiro não se aplica, todavia, nos casos de competência internacional exclusiva da justiça brasileira.

É, pois, o que se dispõe no próprio artigo 25, CPC, em seu parágrafo 1º, garantindo-se, prioritariamente à vontade e autonomia das partes, a primazia à Soberania Estatal.

 

CONCLUSÃO

 

A principal conclusão a que se chega sobre o breve estudo das questões de competência quando há na relação processual partes vinculadas a jurisdições distintas é que a prestação da tutela jurisdicional deve se dar com fundamento na efetividade da jurisdição.

A primazia à efetividade deve sempre prevalecer para garantir que a máquina judiciária não se movimente sem razão.

A prestação da tutela jurisdicional deve acontecer apenas e tão somente após, realizada a análise prévia da demanda, verificar-se que a decisão surtirá efeitos não apenas no território nacional, mas em qualquer local onde  ela deva ser homologada, garantindo-se, também, a Soberania Estatal.

Nesse sentido caminhou o Código de Processo Civil ao instituir, em seu artigo 25, a possibilidade de as partes disporem especificamente em contrato o foro que será considerado exclusivamente competente para julgar qualquer litígio decorrente deste determinado contrato, desde que a Soberania do Estado brasileiro não seja afetada e a escolha se dê nos termos legais.

É, pois, a institucionalização da regra do forum shopping, implicando em um grande avanço não apenas para o processo civil brasileiro, mas para o direito internacional de uma maneira geral.

 

REFERÊNCIAS

 

Brasil. Constituição Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 20 dez. 2017.

Brasil. Lei 13.105/2015. Código de Processo Civil. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 20 dez. 2017.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18 ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016.

DIDIER, Fredie. Editorial 67. Acesso em 07.09.2017 http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-67/

JATAHY, Vera Maria Barreita. Do conflito de jurisdições. Rio de Janeiro: Forense.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8. Ed.,  JusPodivm, 2016.

NUNES, Dierle e STRECK, Lênio Luiz. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. III – Rio de Janeiro: Forense, 2016.

ZARONI, Bruno Marzullo e VITORELLI, Edilson. Novo CPC doutrina selecionada, v. 5: execução / coordenador geral, Fredie Didier Jr. – Salvador: Juspodivm, 2016.

 



[2] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8. Ed.,  JusPodivm, 2016, p. 168.

[3] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18 ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016, p.210.

[4] MC n. 15.398-RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 02.04.2009, publicado no DJe em 23.04.2009).

[5] DIDIER, Fredie. Editorial 67. Acesso em 07.09.2017 <http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-67/>

[6] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18 ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016, p.211.

[7]Art. 485.  O juiz não resolverá o mérito quando: V – reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada;

[8] Informativo 584/STJ, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 03.09.2014

[9] Informativo 463/STJ: Corte Especial, AgRg na SEX 854-EX, rel. Min. Luiz Fux, rel. para o acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 16.02.2011.

[10] NUNES, Dierle e STRECK, Lênio Luiz. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016.

 

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