1. Introdução.
2. Sobre os Contratos em Geral e os Contratos Bancários.
3. “Pacta sunt servanda” x Revisão Contratual.
4. Conclusão.
5. Referências Bibliográficas.

 

  1. Introdução.

Inicialmente, não era pacífico o entendimento sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações bancárias. Durante muito tempo, permitia-se a prática indiscriminada pelas instituições financeiras de abusividades e irregularidades para com seus clientes, que, diante do alto poder social exercido pelos bancos, viam-se sem esperanças de sucesso junto ao Poder Judiciário.

Em 2004, foi editada a Súmula 297 pelo Superior Tribunal de Justiça, pacificando a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, fato que ensejou a propositura de ações revisionais contra as práticas bancárias.

Atualmente, observando-se as recentes decisões proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário, é possível constatar uma recessão ao direito outrora conseguido pelos consumidores: verifica-se uma alteração do entendimento jurisprudencial, acerca da necessidade de preservar a autonomia de vontades e a força vinculante dos contratos (pacta sunt servanda), prezando-se a manutenção das cláusulas bancárias conforme inicialmente pactuadas.

Entretanto, em que pese o princípio da pacta sunt servanda, sabe-se que a autonomia de vontades nem sempre prevalece de forma justa, uma vez que existem situações em que um contratante, possuindo mais força que o outro, impõe obrigações desfavoráveis a este. Essa situação é típica nos contratos bancários.

Por esta razão, o direito contratual é regulado também pelo princípio da revisão dos contratos, que visa justamente evitar que um contratante imponha sobre o outro obrigações que lhe causem uma onerosidade excessiva e gere o enriquecimento ilício do mais forte.

 

  1. Sobre os Contratos em Geral e os Contratos Bancários.

Inicialmente, cumpre lembrar que os contratos em geral, para que sejam considerados válidos, precisam atender a requisitos subjetivos, objetivos e formais.

Os requisitos subjetivos são: capacidade genérica, aptidão específica para contratar e consentimento. Já os requisitos objetivos consistem no objeto lícito, possível e determinado. Por fim, o requisito formal de validade de um contrato diz respeito à forma, que deve ser prescrita ou não defesa em lei. Aqui é onde se revela a vontade das partes.

A doutrina prevê três formas: livre, especial ou solene, e contratual. A forma livre é a regra do direito civil brasileiro, prevista no artigo 107, do Código Civil, e consiste na mera manifestação da vontade de duas ou mais pessoas em firmar um contrato.

A forma especial ou solene consiste na forma exigida por lei. Alguns negócios jurídicos têm previsão legal expressa para que sejam válidos e aptos a produzir efeitos. Se os contratantes não observarem a regra, o contrato será inválido. Por fim, a forma contratual consiste em uma convenção dos contratantes, onde ambos disporão seus direitos e deveres.

Pois bem. Os contratos bancários submetem-se às condições de validade, bem como às demais regras previstas em lei especial, a depender do tipo de contrato firmado, uma vez que são inúmeras as modalidades de negócios bancários possíveis. Os mais usuais são: mútuo (empréstimo), abertura de crédito, capital de giro, financiamento para aquisição de bens por meio de contrato de leasing ou arrendamento mercantil.

Analisando-se as relações privadas, pode-se observar que os contratos bancários assumem posição nesse ranking. Tornou-se cada vez mais comum a prática de tomar empréstimos com instituições financeiras, ainda que seja notória a incidência de altas taxas de juros remuneratórios e demais encargos (capitalização de juros, comissão de permanência, taxa de administração de contrato, dentre outros).

Os contratos bancários possuem uma característica em comum: são contratos de adesão. Explica o artigo 54, do Código de Defesa do Consumidor, que:

 

“Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.

 

Ou seja, tratam-se de contratos única e exclusivamente elaborados pela instituição financeira. Ao contratante não é concedida a liberdade de discutir, remover ou acrescentar cláusulas. O único ponto em que se admite a revisão durante a negociação – o que não ocorre em todos os casos – diz respeito às taxas de juros e demais encargos que venham a recair sobre o negócio.

Durante muito tempo, entendia-se pela impossibilidade de rediscutir um contrato bancário em virtude da sensação de inatingibilidade das instituições financeiras. No entanto, tal fato foi alterado ao predominar o entendimento jurisprudencial pátrio de que o Código de Defesa do Consumidor se aplica às instituições financeiras (Súmula 297, STJ).

Com isso, aumentou-se consideravelmente o número de demandas revisionais bancárias no país, podendo ser constatada pelo Poder Judiciário a prática abusiva que era imposta pelos bancos aos consumidores.

Apesar do grande sucesso durante um certo período, o Judiciário, atualmente, vem cometendo retrocesso no assunto, vez que tem entendido pela prevalência do princípio da “pacta sunt servanda” para julgar improcedentes as ações revisionais, sem, contudo, dar a devida apreciação ao caso concreto, o que será abordado em seguida.

 

  1. “Pacta sunt servanda” x Revisão Contratual.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, sobre o direito contratual incidem sete princípios: Autonomia da Vontade, Supremacia da Ordem Pública, Consensualismo, Relatividade dos Efeitos do Contrato, Obrigatoriedade dos Contratos, Revisão dos Contratos e da Boa-fé e Probidade[1].

O princípio da autonomia da vontade prevê que ninguém é obrigado a contratar se esta não for a sua vontade. Ou seja, só há a formação de um negócio jurídico se ambas as partes assim desejarem. Já o princípio da boa-fé e da probidade, previsto no artigo 422 do Código Civil, exige que as partes se comportem de maneira íntegra e honesta durante as tratativas, formação e cumprimento do negócio jurídico.

Por sua vez, pelo princípio da obrigatoriedade, também conhecido como princípio da força vinculante dos contratos ou “pacta sunt servanda”, temos que, como aquele negócio se originou da vontade das partes, a estas incumbe a observância e execução do contrato nos termos pactuados:

 

“Os que o fizerem, porém, sendo o contrato válido e eficaz, devem cumpri-lo, não podendo se forrarem às suas consequências, a não ser com a anuência do outro contratante.”[2]

 

Entretanto, a história já mostrou que nem sempre as partes contratantes estão em posição de igualdade para discussão, ocorrendo situações em que uma das partes possui mais força sobre a outra, impondo-lhe cláusulas que lhe são mais favoráveis em detrimento da parte mais fraca.

E, com isso em mente, para evitar uma onerosidade excessiva de um contratante sobre o outro, temos o princípio da revisão dos contratos, que permite o redirecionamento da discussão a um terceiro (Poder Judiciário) em determinadas situações, para analisar o negócio jurídico entabulado e alterá-lo a fim de mantê-lo em paridade entre todos os contratantes.

 

“A teoria recebeu o nome de rebus sic stantibus e consiste basicamente em presumir, nos contratos comutativos, de trato sucessivo e de execução diferida, a existência implícita (não expressa) de uma cláusula, pela qual a obrigatoriedade de seu cumprimento pressupõe a inalterabilidade da situação de fato. Se esta, no entanto, modificar-se em razão de acontecimentos extraordinários (uma regra, p. ex.), que tornem excessivamente oneroso para o devedor o seu adimplemento, poderá este requerer ao juiz que o isente da obrigação, parcial ou totalmente.”[3]

 

Referido princípio fora incluído no Código Civil no artigo 478, e no inciso V, do artigo 6º, do Código de Defesa do Consumidor. Tomando-o por base é que se admitiu o manejo de ação revisional de contratos bancários, a fim de que sejam revistos todos os seus encargos, cláusulas e taxas, tornando-os, consequentemente, menos onerosos.

A possibilidade da revisão contratual visa, outrossim, garantir princípios constitucionais do consumidor, vez que este, muitas vezes, diante do grande valor de juros e encargos que recai sobre o capital, se vê diante da necessidade de desfazer de bens e dilapidar seu patrimônio e de sua família, para não descumprir a obrigação assumida.

A realidade atual vivenciada pela grande maioria dos brasileiros é de crise financeira. Desde 2014 o país vem enfrentando essa situação, tanto que foram criadas políticas governamentais, como a de resgate de FGTS, para tentar diminuir o alto índice de inadimplemento e retomar o fomento do mercado.

Tal situação não é enfrentada exclusivamente por pessoas naturais. Muitas empresas também passam por dificuldades financeiras, o que fez com que várias fechassem as portas e declarassem falência, aumentando o número de desempregados, ou, ainda, na tentativa de se reerguer, entrassem em processo de recuperação.

Em que pese as políticas públicas implementadas apresentarem resultados positivos, é certo que a crise não terminará de um dia para o outro: há um processo longo até que a economia brasileira se restabeleça.

Entretanto, há mecanismos que podem ser adotados para que haja uma evolução mais rápida. Um destes, de maior relevância ao presente estudo, consiste na revisão dos contratos bancários, principalmente quando temos contra a instituição financeira uma empresa.

As empresas assumem grande importância na movimentação do mercado financeiro, não só pela colocação de produtos e serviços em circulação, mas porque assumem uma função social, como a geração de empregos. Quando passam por crise, uma das primeiras medidas a serem adotadas é o corte de pessoal, gerando desemprego e, consequentemente, diminuição de aquisição de produtos e serviços e enfraquecimento da economia nacional.

Nessa seara, para evitar tal situação que, por óbvio, não contribuirá para a diminuição da crise, necessária se faz a devida análise da questão pelo Poder Judiciário, a fim de manter uma situação igualitária entre as partes, para preservar todo o contexto que uma empresa representa e não permitir que os bancos imponham sobre elas cláusulas e encargos que tornem o cumprimento do contrato demasiadamente oneroso e prejudique o desempenho da sua atividade.

É sabido que não há norma legal que imponha uma limitação aos juros remuneratórios e demais encargos de um contrato bancário, bem como que o limite previsto no Decreto-Lei nº 22.626/33 não se aplica às instituições financeiras, por força da Súmula 596, do Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, a ausência de limitação não pode dar margem a práticas abusivas. E mais, na ocorrência destas, não pode o Poder Judiciário aceitar tal comportamento e com ele compactuar.

Havendo a comprovação pela parte prejudicada de que houve considerável alteração das suas condições financeiras, imperioso se faz a devida análise do caso pelo Julgador. Não se mostra efetiva à prestação da tutela jurisdicional a mera justificativa pelos magistrados para o não cabimento da revisão contratual pura e simplesmente pela observância do princípio da pacta sunt servanda ou, ainda, pela inocorrência de abusividade ou irregularidade dos encargos.

Para que haja o devido respeito ao artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, é de suma importância que a análise seja minuciosa e leve em consideração o caso concreto, a situação e condição econômica possível pelo contratante dentro da sua realidade. Não há de se admitir uma análise baseada em preceitos genéricos, vez que a condição econômica é diferente para cada pessoa e empresa.

Nesse sentido, pontua Antônio Carlos Efing:

 

“Cabe especialmente ao Judiciário o papel de corretamente enfrentar estes desafios, adequando-se aos novos tempos do direito contratual pós-voluntarismo. Isto impõe reconhecer que se deve funcionalizar as relações contratuais, preservando-se, sempre que possível, adequado e razoável, a vontade das partes na celebração do contrato (vontade esta que pode ser anterior, contemporânea e mesmo posterior ao ajuste), independentemente da redação do respectivo instrumento, a fim de que não se leve desnecessariamente à frustração das expectativas daqueles cujo acordo de vontades veio a ter seu equilíbrio afetado por causa superveniente. A negativa em se conceder a revisão contratual tende a conduzir ao inadimplemento a relação que foi desequilibrada, com consequências prejudiciais a ambas as partes e até a terceiros, em especial em situações em que se está diante de uma relação de consumo em que é fornecedor uma instituição financeira, bancária de crédito ou securitária. A verdade é que, na maioria dos casos, a revisão contratual é a solução que de modo mais acertado atende à função social do contrato, à boa-fé, à dignidade humana, ao solidarismo constitucional, à justiça contratual, e ao princípio da conservação do contrato entre muitos outros pilares contratuais e de direito do consumidor.”[4]

 

A ação revisional, principalmente se analisarmos a atual situação vivenciada pela população brasileira, não pode ser entendida como uma forma de estimular o inadimplemento contratual. Muito pelo contrário, ela visa justamente evitar tal situação, já que será analisado e modificado o contrato para que seja benéfico a todos os contratantes, não gerando o enriquecimento ilícito de um em detrimento do outro.

Isso porque a prestação da tutela jurisdicional não deve se basear apenas na aplicação da lei estrita, mas também no conteúdo fático que engloba a questão. Sabe-se que há muito firmou-se o entendimento de que a norma legal admite relativização, de modo que a sua aplicação deve se relacionar com o caso concreto.

 

  1. Conclusão.

O reconhecimento da relação de consumo entre instituições financeiras e seus clientes, pela edição de Súmula 297, do Superior Tribunal de Justiça, trouxe a sensação de segurança e proteção, vez que estes se viram apoiados pela aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.

Com isso, esses consumidores puderam valer-se da revisão de seus contratos, com a alteração de suas cláusulas, mantendo o instrumento, assim como as obrigações nele contidas, em condições de igualdade para com os bancos.

Ainda, essa possibilidade de ter os contratos revistos é de extrema importância para que o consumidor possa reorganizar suas finanças e consiga sair da condição de inadimplente.

Entretanto, de uns anos para cá, o Poder Judiciário vem freando as demandas revisionais, sob o fundamento de respeito ao princípio da obrigatoriedade dos contratos, devendo suas cláusulas serem cumpridas pelo contratante, que delas possuía pleno conhecimento quando firmou o negócio jurídico.

Atualmente, o Brasil vem tentando se reerguer de uma crise financeira que o assola desde meados de 2014. Essa situação, que afetou milhares de brasileiros, os levou a contrair empréstimos, muitas vezes à beira do desespero, para não perderem suas moradias, suas empresas, e conseguirem manter seu sustento e de sua família.

É notório que as instituições financeiras, diante do desespero, bem como do alto índice de inadimplência, impõem altas taxas e encargos no contrato. Entretanto, não é preciso ser um especialista contábil para verificar que essa prática, levando em consideração a imprevisibilidade que o período de crise proporciona, acarretará o efeito inverso, impondo ao consumidor uma obrigação que, quando do início de seu cumprimento, poderá mostrar-se demasiadamente excessiva.

Desta forma, restou evidente que, principalmente neste difícil período que os cidadãos brasileiros enfrentam, é imperioso a alteração do entendimento dos nossos julgadores, permitindo a revisão contratual para coibir as práticas abusivas e irregulares perpetradas pelos bancos. Tal medida, além de configurar direito dos consumidores, mostra-se extremamente necessária para diminuir o índice de inadimplência e vencer essa crise financeira que assola o país há quase cinco anos.

 

  1. Referências Bibliográficas.

EFING, Antônio Carlos. Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consumidor. 1ª ed. em e-book baseada na 3ª ed. impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo. 2ª ed em e-book baseada na 18ª ed. impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais, v. III, 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

MIRAGEM, Bruno. Direito Bancário. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de Crédito Bancário. 1ª ed. e-book baseada na 11ª ed. impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais, v. III, 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, 41-61.

[2] Ibidem, p. 48-49.

[3] Ibidem, p. 51

[4] EFING, Antônio Carlos. Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consumidor. 1ª ed. em e-book baseada na 3ª ed. impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016

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